ENQUANTO ISSO… Why so serious?

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Os filmes e quadrinhos de super-heróis precisam ser realistas? Ou o público que pede por aventuras cada vez mais sombrias está cometendo um erro?

Por Fábio Ochôa

Existe um senso comum de que Superman: o Filme (sempre quis saber porque esse nome tão redundante. É para as pessoas não pensarem que vão entrar no cinema para ler um gibi?) é a pedra basilar do subgênero “super-heróis no cinema”. Também é senso comum dizer que O Cavaleiro das Trevas do antes-amado-agora-vilipendiado Christopher Nolan é o Cidadão Kane do gênero.

Difícil discordar das duas afirmações.

O que discordo do senso comum é quando ele atribui a qualidade de O Cavaleiro das Trevas a ser um filme “sombrio e Why_Bruce_Wayne_But_Not_Batman_Should_Die_The_Dark_Knight_Rises_1341949161realista” e que “não parece um filme de super-heróis”. Bom, primeiro que o Batman de Nolan é um herói no sentido pleno da palavra, alguém que aceita carregar a culpa por um crime que não cometeu apenas para não matar o senso de esperança da sua cidade, e sim, meu amigo, isso é heroico pra caramba. E confesso que não consigo entender onde está o realismo no conceito de um milionário que, para exorcizar seus traumas, em vez de procurar uma prostituta, uma garrafa de vodka e um psiquiatra – como qualquer milionário faria – resolve envergar uma fantasia de morcego e uma dicção ininteligível para combater o crime. Faz falta um amigo nessas horas, para dar um abraço, oferecer uma cerveja e dizer que essa é uma idéia de merda.

Quanto a “é legal porque não parece um filme de super-heróis”… é um argumento tão esquizofrênico quanto ir assistir um filme da série Sexta-Feira 13 e dizer que “é legal porque parece uma comédia romântica”.

Eu realmente não entendo esse culto ao herói realista como sinônimo absoluto de qualidade, tanto quanto não entendo man-steel-controversy-sequelcomo é que ninguém percebe que o He-man é só o Príncipe Adam bronzeado. É estranho você ter um universo riquíssimo em detalhes e particularidades para trabalhar  e simplesmente optar por descartar tudo isso em prol de uma boa carga de pseudodrama, nilismo e ranger de dentes. Prefiro acreditar que a qualidade das histórias está ligada à quantidade de imaginação e empatia que elas geram. E – sem querer trazer o elefante branco para a sala – não se iluda, caro amigo, você pode colocar Superman de joelhos chorando porque matou Zod, destruição em massa, citações de Goethe, Platão e Humberto Gessinger que, no fim das contas, você ainda está narrando as aventuras de um cara de colante que usa cueca por cima da calça para pular pimpão por aí e salvar o mundo dando bordoadas nos malfeitores, mesmo que ele esteja sem cueca, quebre pescoços e dê uma choradinha no final.

E sim, esse é um conceito infantil pra caralho e impossível de ser levado a sério. E nada contra isso. Quer realismo? Abre a janela da sua casa, já diria meu pai.

Porque então essa mania estranha, muito comum entre os civis e os marinheiros de primeira viagem, de exigir sombras, mazelas e realismo? Eu não sei, mas óbvio que isso não vai me impedir de dar meus pitacos.

A culpa é da geração de Thomas?

thomasIndiretamente, podemos dizer que tudo começou com Roy Thomas, ou melhor, com a geração dele. Calma que eu explico. A entrada de Thomas na Marvel, na finaleira dos anos 60, foi um dado bastante relevante, não tanto pelo que ele fez lá dentro, mas pelo que isso significa.

Desde a década de 30, quadrinhos – com a notável exceção das tiras de jornais – eram tidos como uma sub-arte, com o único propósito de oferecer diversão rápida, descartável e barata para crianças. Thomas, do alto de seus vinte e poucos anos quando começou na Marvel, foi a primeira geração a entrar no mercado que cresceu lendo revistas em quadrinhos (e também um protótipo da figura de nerd fanboy, tão em voga décadas depois). Para ele, aquilo não era apenas um modo de ganhar algum dinheiro para colocar feijão no prato, ou uma maneira de matar o tempo até conseguir saltar para alguma outra mídia mais bem-paga e “digna” como os romances, os roteiros para cinema e TV ou a ilustração para grandes magazines. Para Thomas, os quadrinhos eram um fim em si próprios.

Para ele, quadrinhos eram, sim, coisa séria.

Esse mesmo modelo de comportamento iria também ser seguido por outros autores da mesma época, com John Byrne, Denny O’Neal, Elliot S. Maggin, entre outros. Para esses autores, não bastava mais apenas o vilão da semana querendo governar nosso planetinha a vagar sem dono por aí, as caracterizações começaram lentamente a ficar mais densas, não tão simplificadas – temos três marcos definidores aí: os X-men de Claremont/Byrne, os Novos Titãs de Wolfman/Perez e o Demolidor de Frank Miller. Se antes os quadrinhos eram lidos por meninos de 12 anos, agora eram também por jovens de 18, 19, um público que pôde finalmente crescer com seus personagens sem ter que abandoná-los para fazer qualquer outra coisa da vida.

Entrevistas e talk shows

Essa tendência iria se tornar um caminho sem volta com a consagração de Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e – óbviodark_knight_returnsWatchmen, de Alan Moore (ou será que devo chamar ele de Roteirista Original?) e Dave Gibbons, com seus autores aparecendo em talk shows, ganhando matérias sem nenhum tom de condescendência em revistas como Spin e Rolling Stone. A Caixa de Pandora estava aberta.  E cada autor não iria poupar no radicalismo para garantir também os holofotes sobre seu trabalho.

Para a geração egocêntrica dos anos 80, essa foi a desculpa ideal, podiam seguir lendo seus heróis de infância sem se sentir mal por isso, afinal, heróis agora eram coisa de adulto. A própria Spin disse isso, não? Contudo, o elefante branco continuava lá, sentadinho na sala, silencioso feito um paquidérmico ninja.

O mercado também fez sua parte para incentivar essa tendência. Melhor do que ter um público consumidor formado por moleques com sua mesada, é ter um público adulto que trabalha, ganha seu dinheiro e é dono do seu nariz. Um público que não compra gibis, compra Graphic Novels, mesmo que elas narrem as desventuras de um milionário que resolve se fantasiar de morcego com cueca por cima das calças junto a um garotinho de sunga com pernas depiladas.  Um público que não compra mais bonequinhos, mas sim action figures.

Enfim…

all-star-superman-10-pg121Voltando ao ponto no qual começamos, o que torna O Cavaleiro das Trevas, o filme, tão bom, então? Não são as supostas sombras, realismo ou afastamento do gênero ao qual pertence. O que o torna tão bom é a empatia dos personagens e situações, grandes questões humanas, bons personagens, momentos inteligentes, enfim, aquelas coisas que toda história que se pretende boa tem que ter.

Coisas que você encontra por exemplo, em All-Star Superman, história que se encontra do outro lado do espectro no tão citado “realismo”, mas com um tema universal a servir de espinha dorsal: como se preparar para partir quando a morte é certa? Existe algum ser humano que nunca tenha se questionado sobre isso?

– Ok, Fábio, o que se deveria fazer então? – você pergunta.

Uma boa história, apenas isso. Seja se apropriando de elementos mais urbanos, como Miller fez em A Queda de Murdock, seja se apropriando de todo o fantástico e instigante, mas sem abrir mão da inteligência, da leveza e das boas caracterizações e plots instigantes, como Mark Waid fez em toda sua carreira, seja no Demolidor, seja na Liga da Justiça em coisas como Escada para o Céu e tantos outros. Conte uma boa história, não force a barra, não tenha vergonha de ser infantil, seja inteligente e viva bem, pequeno gafanhoto. Seja bom.

OchôaFábio Ochôa trabalha como redator publicitário. Conquistou prêmios, foi citado na TV, foi diretor de criação, já saiu na Zupi, fez campanhas políticas e, mesmo assim, ainda consegue gostar das pessoas e achar este mundo um lugar legal. É um exemplo, esse rapaz. Trabalha também como ilustrador freelance e roteirista eventual. Para saber mais acesse:  www.behance.net/fabioochoa

5 comentários sobre “ENQUANTO ISSO… Why so serious?

  1. Seja realista ou mais fantasioso, as histórias de super-heróis devem entreter.
    Posso gostar da série Flash, com seu humor involuntário, soluções tiradas da cartola, e “erros” científicos. Como posso gostar de Demolidor, outra série com tema mais realista, mais “dark”.
    O importante é a diversão, o prazer e aquela sensação de “quero ler mais”.
    Adoro o Batman, mas pra mim seu melhor momento era na Liga do Giffen. Onde sua seriedade realçava o tom engraçado da revista.

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  2. Tudo isso explica a história das HQs de super-heróis, sem esclarecer que as europeias e japonesas sobrevivem com mudanças, sem ficar reinventando a roda, apertando reset e tentando ser “adultas”. Pra esses gibis da Marvel e da DC vale a comparação com aquela pessoa que, de tanto querer parecer adulta, mostra o quanto é infantil.

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