Entre Balões: Para entender DARKSEID e OS NOVOS DEUSES! Como a saga de Jack Kirby mudou os Quadrinhos

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Considerada uma continuação do trabalho de Kirby no Thor da Marvel e a série que criou o vilão Darkseid, Os Novos Deuses foi uma saga incompreendida em sua época, mas é um épico que influenciou o universo DC

Por Ben Santana

Darkseid e o Quarto Mundo de Kirby

A quantidade de vezes que Darkseid, o uber vilão de Jack Kirby, apareceu nos quadrinhos é enorme. Ele é o mal encarnado, seu único objetivo é a dominação total do universo.  Só que o número de leitores que realmente leu sua primeira aparição é muito pequeno. Primeiro, porque quando todo o projeto do que mais tarde seria denominado “O Quarto Mundo” foi publicado, ele não foi exatamente um sucesso, por incrível que pareça. Segundo, se falarmos em termos de Brasil, onde tal projeto nunca foi publicado de forma completa, a situação é ainda pior.

O Início

Jack Kirby estava na Marvel desde o seu início e ajudou a criar todo aquele universo, ao lado de Stan Lee (existem, é claro, versões que falam que ele o fez sozinho… Mas essa é uma história para depois). Na segunda metade dos anos 1960, Kirby queria mais controle – e consequentemente mais remuneração – em seu trabalho. Em outras palavras, ele já não tinha uma boa relação com Lee.

01Kirby começou a desenvolver histórias curtas que acompanhavam a principal em Thor, chamadas de “Tales of Asgard”. Foi ali que, de certa forma, ele criou alguns dos conceitos que usaria mais tarde no Quarto Mundo. Em Thor 127 e 128, de 1966,  ele mostrou a sua versão do Ragnarok, o Crepúsculo dos Deuses. Ali, os antigos deuses perecem e dão lugar a uma nova geração, novos deuses.  Marv Wolfman diz que ele viu vários designs de novos personagens criados por Kirby após essa história em 1968. Mas Kirby não estava com disposição de entregar tais personagens à Marvel e os manteve com ele.

Corte para o finalzinho dos anos 1960. Kirby deveria escrever e desenhar uma série dos Inumanos, onde ele pretendia – mais uma vez – trabalhar com esse conceito dos antigos deuses sendo substituídos por novos. Mas a série não vingou e a história acabou saindo em Amazing Adventures 1.

Kirby então já estava com as malas prontas para se mudar para a DC e levou o conceito e os personagens para a editora. E, se olharmos essa página de New Gods 1, veremos que é a continuação direta de Thor 128. Kirby não estava sendo nada sutil em dizer que essa história, para ele, se passava depois do Ragnarok.

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Ida para a DC

Carmine Infantino, então o editor da National (antigo nome da DC Comics) fez a Kirby uma oferta que ele não poderia recusar. Para a National seria um golpe de mestre: Kirby sempre esteve associado à Marvel e tirá-lo das “garras” de Stan Lee seria fantástico. Sabendo da vontade de Kirby em ter mais liberdade criativa, Infantino permitiu que ele criasse, escrevesse e editasse os seus títulos. E sem precisar trabalhar em Nova York, já que Kirby tinha se mudado para a Califórnia.

03Kirby deveria assumir um título que já existisse e escolheu o que menos vendia na época para, segundo seu biografo Mark Evanier, não tirar o trabalho de ninguém. O título em questão foi Superman’s Pal Jimmy Olsen, que contava aventuras do fotógrafo do Planeta Diário. A partir do número 133 (de Outubro de 1970), o Quarto Mundo é apresentado e começa a se desenvolver em suas páginas. Foi lá que vimos Darkseid pela primeira vez, no número 134, envolto em sombras – ele seria totalmente revelado apenas mais tarde, em Forever People 1.

Os outros três títulos criados por Kirby foram New Gods, Forever People e Mister Miracle. A ideia de Kirby era que os quatro títulos fossem interligados, mostrando aspectos da mesma história. A ideia era genial. Os títulos da National eram totalmente estanques, quase como se passassem em universos separados. Ter uma mesma storyline passando por vários títulos era algo sem precedente à época, mas foi usada a exaustão desde então.

E a história? Grant Morrison, na sua introdução para o primeiro Omnibus de Jack Kirby’s Fourth World definiu bem: “os dramas de Kirby são encenados em um teatro jungiano, cheio de fúria e simbolismo puro”. Em outras palavras, o Quarto Mundo de Kirby é uma ópera que mostra a eterna luta entre o bem (representado por Nova Gênese) e o mal (Apokolips).

A Batalha Eterna

Como falei acima, é muito claro que os Novos Deuses são uma continuação direta de Thor, desde a primeira página de New Gods com a palavra “Epílogo” ao momento em que o jovem Novo Deus, Lonar, encontra o elmo de Thor em Forever People 6, durante uma visita à terra dos velhos deuses. A impressão clara que temos é que Kirby queria dizer: “Essa é a continuação do que eu comecei lá em Thor. É o que eu queria fazer: matar os velhos deuses e substituí-los por novos. Como em um ciclo”.

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Kirby criou dois planetas em um conflito constante. A utópica Nova Gênese, regida pelo benévolo Izaya, o Pai Celestial, e a sua contraparte sombria, Apokolips, cujo senhor, Darkseid, a governa com mão de ferro. Depois de uma batalha sangrenta, na tentativa de selar a paz entre os dois mundos, os dois governantes trocam seus filhos entre si. Orion, o filho de Darkseid, é criado na pacífica Nova Gênese e o filho de Isaya é criado em Apokolips. Essa criança, cujo nome verdadeiro não é dado, se rebela da doutrinação tirânica de Darkseid e seus associados e escapa, adotando o nome de “Scott Free” (que em tradução livre seria algo como “Totalmente Livre” – um dos muitos trocadilhos presentes nas séries do Quarto Mundo). Orion, segundo profecias, um dia se oporia ao seu pai verdadeiro, em uma batalha final. É impossível não ver aqui uma “inspiração” para George Lucas em seu Star Wars.

Além disso, todos os títulos do Quarto Mundo eram cheios de conceitos espetaculares: o tubo de explosão; o computador vivo Caixa Materna, a Poltrona Mobius, a Fonte e a sua Muralha… Kirby certamente se divertiu muito ao criar tudo isso. E todos esses conceitos estão aí, até hoje, permeando o Universo DC.

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“Kirby Está Aqui!”

Quando Jimmy Olsen: Superman’s Pal 133 chegou às bancas em 1970, estampava na capa, em destaque, a frase: “Kirby is Here!”. Um dos artífices do Universo Marvel estava agora do outro lado do muro. Imagine o tamanho do impacto que foi isso. A expectativa dos leitores (e principalmente da DC) deve ter sido enorme. Todos, provavelmente, estavam esperando um novo Quarteto Fantástico, algo próximo ao que estavam acostumados. Mas Kirby surpreendeu com algo completamente diferente. Uma mistura de cosmogonia, religião (é impossível não ver as referências religiosas em vários personagens, com destaque para Isaya), filosofia e muito mais que um aceno à florescente geração hippie (em Forever People).

06E é justamente ai que estava o problema. O Quarto Mundo era, segundo o historiador Les Daniels,  “um amálgama de gíria e mito, ficção científica e a Bíblia (…) e um tanto cerebral demais.” Resumindo, a maioria dos leitores não entendeu o que Kirby estava propondo. Os conceitos pululavam do seu lápis, era uma torrente de ideias, todas ao mesmo tempo. E, sendo o seu próprio editor, ele não percebia que tudo aquilo estava acontecendo rápido demais, totalmente sem freio. O resultado foi o esperado.

A primeira baixa veio em  Abril de 1972: com o número 148, Kirby abandonou Jimmy Olsen, Superman’s Pal. Em um editorial, Nelson E. Bridwell informa: “Jack sente que se estendeu demais. Ele está atrasado em seu cronograma e vai entregar o título para Joe Orlando. Ele precisa de mais tempo para suas outras revistas – inclusive um novo título que está vindo”. Em outubro de 1972, Kirby produziu a sua última história para New Gods, o número 11. Forever People tinha seguido o mesmo caminho, um mês antes, tendo terminado também no número 11. Mister Miracle, que tinha mais elementos de super-heróis, durou um pouco mais, encerrando em fevereiro de 1974, com um total de 18 números.  O Quarto Mundo tinha, dessa forma, sido melancolicamente encerrado.  Carmine Infantino, dono da opinião que as vendas não eram boas o suficiente, puxou a tomada do projeto e tentou usar Kirby para outras coisas. “Outras coisas” que acabaram sendo OMAC, The Demon e Kamandi. Mas logo – em 1976 – Kirby abandonou a DC e voltou para uma curta passagem pela Marvel. Saiu de lá em 1978, mas não antes de produzir coisas como Os Eternos e mais uma fase do personagem que cocriou  nos anos 1940, o Capitão América.

Além de Kirby

Os Novos Deuses e o Quarto Mundo poderiam ter se tornado uma nota de 07rodapé na história das histórias em quadrinhos. Mas, em  Abril de 1976, no último número de 1st Issue Special (o número 13) surgiu “The Return of the New Gods”, de Denny O’Neil e Gerry Conway, com a arte de Mike Vosburg. No ano seguinte, a DC lançou uma nova série, dessa vez com a arte de Don Newton, que continuava a numeração de onde Kirby tinha parado. A série teve oito edições e foi cancelada no número 19 (o final da história foi publicado nos números 459 e 460 de Adventure Comics).  Conway, em uma batalha “final” mata Darkseid. Mas, é claro, ele não ficaria morto por muito tempo.

O ano de 1977 trouxe o início da volta do Quarto Mundo.  Além do retorno de New Gods, Mister Miracle também ganhou uma nova chance nas mãos de Steve Englehart e Marshall Rogers (com os três últimos números produzidos por Steve Gerber e Michael Golden). Infelizmente, porém, Mr Miracle foi uma das vítimas da “DC Implosion” – o cancelamento súbito de mais de duas dúzias de seus títulos – e a história não foi concluída de maneira satisfatória.

Aliás, o Senhor Milagre foi o personagem de Kirby que parece mais ter caído no gosto dos leitores da década de 1970. Ele apareceu em  The Brave and the Bold três vezes, em dupla com o Batman, e uma vez em DC Comics Presents, ao lado do Superman.

08Após em uma participação em Super-Team Family 17, de 1978 (edição que inclusive foi publicada aqui em formato álbum pela EBAL, em 1982), os Novos Deuses apareceram em “Crisis on New Genesis”, em Justice League of America 183-185, de 1980, uma das famosas “Crises” anuais que reuniam a Liga e a Sociedade da Justiça. E é claro, Darkseid estava lá, trazido de volta à vida pelo  seu próprio “assassino”, Gerry Conway . Um pequena curiosidade: o número 184 foi a estreia de George Pérez no título, depois do falecimento de Dick Dillin.  Pérez voltaria alguns anos mais tarde para uma breve (e espetacular) passagem pelo título.

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Mas o melhor ainda estava para acontecer.

Darkseid e todos os integrantes do Quarto Mundo eram algo que as pessoas lembravam, graças às participações esporádicas em outros título, mas não tinham a importância que têm hoje, com certeza. Isso mudou de forma radical com a chamada “Saga das Trevas Eternas”, de Paul Levitz e Keith Giffen (Legion of Super-Heroes 290-294, de 1982). Na elogiada história, Darkseid é usado como o grande vilão. E todo o potencial do personagem foi percebido pela DC.

O que devemos entender é que, se hoje vemos Darkseid como uma das 10grandes potências da DC, na época ele era apenas mais um personagem obscuro entre tantos da editora. Imagino que seu ressurgimento tenha sido uma surpresa bem interessante para o leitor em 1982.

O Retorno de Kirby

Em 1984, parecia que o mundo mais uma vez estava interessado nos Novos Deuses. A Kenner, uma empresa de brinquedos, produziu a coleção Super Powers, que tinha ligação com o desenho dos Superamigos chamado Superfriends: The Legendary Superpowers. A DC lançou uma série em quadrinhos para acompanhar, desenhada por ninguém menos que Kirby.  Obviamente, o principal antagonista era Darkseid.

A DC resolveu republicar as 11 histórias originais de Kirby em uma minissérie de luxo em seis edições. Kirby desenhou seis novas capas para a coleção, mas não foi só isso que ele fez. A DC encomendou a ele também uma conclusão para a série.

11E aí a coisa desandou. Em se tratando do binômio “Kirby-Quarto Mundo”, as coisas nunca pareciam ser fáceis.

A história, que seria publicada no sexto número da reimpressão, deveria ser, teoricamente, o ponto final do que ele tinha iniciado em 1970. A ideia de Kirby era que tanto Orion quanto Darkseid morressem em seu conflito final. Obviamente, a DC vetou a história. Em seguida, ele propôs “On The Road to Armagetto”, que foi rejeitada também, porque (veja só) não continha um final definitivo. Finalmente, Kirby escreveu e desenhou “Even Gods Must Die”, que finalmente foi publicada. Tal história, de definitiva não tinha absolutamente nada e se mostrou um prelúdio para a quarta DC Graphic Novel, que teve o nome de The Hunger Dogs.

The Hunger Dogs é uma colcha de retalhos. Tem páginas de “On The Road to Armagetto”, totalmente remontadas editorialmente, pela simples razão que a DC queria uma história com final definitivo, sim, desde que não incluísse a morte dos Novos Deuses – que, a rigor, era o que Kirby queria fazer.

A maior ironia é que Kirby queria ter feito algo parecido em Thor e não foi permitido. Assim, criou os seus próprios personagens para contar a história que desejava, porém, mais uma vez, foi impedido de lhes dar o fim que queria. O final de The Hunger Dogs mostra Darkseid obrigado a fugir de Apokolips, graças à uma revolta da população. Mas, e claro, isso não durou.

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O Legado

Os conceitos do Quarto Mundo de Kirby começaram a permear cada vez mais as histórias publicadas pela DC. Em 1986, foi lançada Lendas, uma minissérie em seis partes que mostrava Darkseid novamente em Apokolips e com os olhares voltados para a Terra. Escrita por John Ostrander e Len Wein, com os desenhos de John Byrne, Lendas foi a primeira “saga” da editora após Crise nas Infinitas Terras.

Em 1988, foi lançada a minissérie em quatro partes, Odisseia Cósmica, 13escrita por Jim Starlin e com a arte de um Mike Mignola pré-Hellboy. A história envolvia a Equação Antivida e, além dos Novos Deuses, tinha a participação de outro personagem de Kirby: Etrigan, o Demônio.  Seguiu-se uma nova série mensal chamada New Gods, de Mark Evanier (que foi assistente de Kirby) e desenhos de Paris Cullins. Essa série durou 28 números e se encerrou em 1991. Depois, em 1995, Tom Peyer e Rachel Pollack lançaram o terceiro volume de New Gods, com arte do brasileiro Luke Ross. Eles ficaram até o número 11, quando o título foi assumido por Byrne, tanto no texto quanto na arte. Depois do número 15, o título foi zerado e mudou o seu nome para Jack Kirby’s Fourth World. A série durou vinte números, todos com capas de Walt Simonson, outro fã declarado de Kirby. O próprio Simonson, inclusive, assumiu a continuação de JK4W, em  Orion  (2000). Tanto JK4W quanto Orion tinham pequenas histórias back-up, chamadas “Tales of the New Gods”, que ajudavam a entender e expandir os conceitos de Kirby – a escolha do nome não é por acaso: Kirby tinha, em Thor, uma série de histórias curtas chamadas “Tales of Asgard”. Artistas como Frank Miller, Dave Gibbons, Howard Chaykin, Arthur Adams, Jim Lee, Eddie Campbell e até mesmo Rob Liefeld colaboraram com esses contos curtos. Orion durou vinte e cinco números.

Crise Final e Além

A próxima grande participação dos Novos Deuses no UDC foi em 2007, em A Morte dos Novos Deuses, de Jim Starlin, que preparou o terreno para a Crise Final de Grant Morrison.  Só que Morrison acabou por desconsiderar tudo que Starlin havia feito.

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Morrison , que já havia usado os conceitos do Quarto Mundo em sua passagem pelo título da Liga da Justiça  nos arcos “A Pedra da Eternidade” e “Terceira Guerra Mundial”, colocou os Novos Deuses habitando corpos de seres humanos. No final da série, a essência de Darkseid é destruída e os Novos Deuses renascem. É o início do Quinto Mundo.

Darkseid voltou a dar as caras nos Novos 52, a reformulação da DC ocorrida em 2011. O déspota apareceu em Justice League, de Geoff Johns e Jim Lee, como o responsável por uma invasão à Terra. O Quarto Mundo também tem importância enorme em Wonder Woman, de Brian Azzarello. E, finalmente, Darkseid é responsável também por uma invasão à Terra-2, como mostrado por James Robinson no título epônimo.

Para terminar, uma frase de Morrison, dita pela boca do personagem Metron – um dos personagens mais importantes criados para Os Novos Deuses – na revista JLA, que explica basicamente todo o conceito de Kirby:

“Como vocês, humanos,  parecem crianças para mim. Como a sua compreensão é pequena… Ainda assim… Há uma semente em vocês… Os Velhos Deuses morreram e deram origem aos Novos. E os Novos Deuses, eu inclusive, devem passar. Devemos passar quando a nossa hora chegar. Nossa busca foi longa e nossa guerra contínua… Mas nós encontramos o berço planetário dos deuses que ainda virão. E vocês são os seus precursores”

Morrison entendeu.

BenBen Santana nasceu no final da Era de Prata, mas cresceu na Era de Bronze. Professor, tradutor e desocupado (quando sobra tempo), vem lendo e pesquisando quadrinhos desde sempre. Para outros textos sobre quadrinhos, visite seu blog: http://prataebronzecomics.blogspot.com.br


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5 comentários sobre “Entre Balões: Para entender DARKSEID e OS NOVOS DEUSES! Como a saga de Jack Kirby mudou os Quadrinhos

  1. Foi justamente nessa edição da EBAL , Flash e os Novos Deuses meu primeiro contato com esses personagens Orion (que passou a ser um dos meus preferidos) e O Vilão na época chamado no Brasil de Manto Negro .

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