AME-OS ou DEIXE-OS: fãs que não entendem as novas versões de seus HERÓIS

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De Superman a Sherlock Holmes; de Tex ao Coringa, os fãs reclamam quando seus personagens ganham novas versões. Mas há motivo para essa birra?

Por Ben Santana

Recentemente foi lançada na Itália uma edição especial, em formato álbum, de Tex, desenhado por Serpieri. Quem gosta de histórias em quadrinhos, sabe que Paolo Eleuteri Serpieri é responsável pela criação de Drunna, a voluptuosa musa que circula seminua em histórias nas quais o roteiro não importa absolutamente nada, era o supremo fan service. Toda e qualquer história de Drunna era planejada para colocar a personagem em situações de sexo. Muito sexo.

Serpieri fazer Tex, personagem tão famoso que é até uma instituição na Itália, seria como Milo Manara desenhar, versões01digamos, o Pato Donald. Inusitado, com certeza. Mas algo no mínimo interessante de ser visto. E eu quero ver, com certeza.

Mas, para a minha surpresa (ok, nem tanta “surpresa” assim) percebi que, em vários grupos de discussão sobre quadrinhos nas interwebs, muita gente começou a reclamar. Que aquele “não era o Tex deles”. Que Serpieri tinha desenhado o personagem “cabeludo demais” (sério!) e coisas do gênero. Um evento como esse no meio quadrinistico seria o equivalente de Michelangelo pintar uma graphic novel do Homem-Aranha. E Bach fazer a trilha sonora para ser lida com ela.

Mas, ei, a Sergio Bonelli Editore está, segundo esse pessoal, cometendo uma “traição” com os leitores mais antigos.  “Que Serpieri vá desenhar sacanagens e não mexa com o meu personagem querido”. Pois é. Só que eles esquecem (ou simplesmente ignoram) que o artista veneziano trabalhou (e muito!) com o tema western. Colaborou com uma edição da Enciclopédia Larousse em quadrinhos chamada Historie du Far West. Para a mítica Orient Express fez “Lo Sciamano” e “L’Indiana Bianca”, entre outros. Serpieri, além de entender de westerns, gosta deles.

Mas ter a coragem de mexer com Tex…? Um personagem que, para a maioria de seus leitores, tem que ser imutável?

Nada pode mudar

A imutabilidade dos personagens em quadrinhos é esperada (e até mesmo exigida) por parte dos fãs. Eles esperam que seu personagem favorito se mantenha eternamente o mesmo. Mas é aí que a coisa fica interessante: querem que ele se mantenha como na época em que eles começaram a lê-los. O caso do Tex de Serpieri é emblemático, mas existem (infelizmente) vários outros exemplos.

Temos a tendência de convenientemente esquecer que boa parte (se não todos) os personagens que estão ai sofreram modificações durante a sua história. Para ficar nos mais óbvios: se o Batman e o Superman tivessem permanecido exatamente da maneira que foram concebidos, o primeiro ainda usaria luvas roxas e passaria fogo sem piedade em bandidos e o segundo não seria nada mais que um sujeito forte capaz de “saltar prédios altos com um único pulo”.

versões04Durante as suas quase oito décadas, ambos tiveram coisas acrescentadas às suas mitologias, em um trabalho constante e incansável. Grant Morrison mostrou um Superman diferente na sua passagem pelo título no início de Os Novos 52, mas ele também escreveu uma história completamente diferente (e uma das melhores do personagem) em Grandes Astros: Superman, na qual usou todos aqueles conceitos maravilhosamente tolos da Era de Prata.

Grandes Astros: SupermanSuperman: Legados das Estrelas; a fase desenhada por Curt Swan; a reinvenção de John Byrne; Superman: o Filme, de Richard Donner; o Homem de Aço de Zack Snyder… Todos são versões. A minha favorita ainda é a de Wayne Boring, mas não significa que devo execrar todas as outras. Posso gostar mais ou menos de uma ou de outra, é claro. Mas entendo que é interessante ver outras pessoas trabalhando com o personagem.

Quantas versões existiram de Robin Hood? E James Bond, cujos livros escritos por Fleming são bem diferentes dos filmes?

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E o que falar de Sherlock Holmes? Escutei muita gente falando mal da série da BBC antes de assisti-la. O argumento era: “Sherlock Holmes no século 21? Ridículo. A melhor versão é a de Basil Rathbone, aquilo sim era fiel”. Uhun… Só que a versão (olha aí a palavra novamente) de Rathbone, feita na década de 40 se passava, bem, na década de 40. Se é para ser purista, Holmes nunca deveria ter saído da Era Vitoriana. E também nunca deveríamos aceitar Holmes usando um telefone celular ou o Dr Watson tendo um (gasp!) blog. Mas, da mesma forma, também não deveríamos aceitar Holmes em aviões ou lutando com nazistas, como na série estrelada por Rathbone, que acabou iconizando o personagem.

Então, por que será que Sherlock, a série, é um sucesso? A resposta é óbvia: qualidade. Mark Gatiss e Steven Moffat decidiram fazer algo diferente. E a contemporaneidade da série obviamente é um gimmick, um truque, para modernizar o personagem, mas faz isso com qualidade indiscutível. Bons roteiros e sólidas interpretações de Benedict Cumberbatch e Martin Freeman. Felizmente, a grande maioria do público percebeu isso e aceita (e gosta muito) dessa versão. O que é de certa maneira alentador. É claro, detratores existem. Mas aparentemente, pelo menos no caso de Sherlock, são uma minoria.

E chegamos de novo à palavra que usei no começo do texto:”traição”. O leitor/espectador que se sente traído por uma versão de um personagem não gosta do personagem em si, mas apenas de uma versão particular do mesmo. Isso se torna uma castração. Porque personagens fortes e longevos pedem para serem reinterpretados. E, dessa forma, serem apresentados para uma nova geração. Se eles ficarem imutáveis, congelados no tempo, serão esquecidos.

Várias versões, um personagem

versões05Hoje, a bola da vez é o Coringa de Jared Leto, no vindouro filme do Esquadrão Suicida. A gritaria começou cedo, logo após de uma publicação de uma foto do ator caracterizado como o Palhaço do Crime. O filme nem mesmo estreou e muitos já estão dizendo que é um absurdo ter um Coringa assim, que Leto não serve para o papel. Só que esses foram os mesmos tipos de comentários que escutamos na época que Heath Ledger colocou a maquiagem do Coringa pela primeira vez. Os fãs queriam, mais uma vez, o Coringa de Jack Nicholson (que afinal das contas, era Nicholson o tempo todo).

Isso acontece, na minha opinião, porque ficamos acostumados com algo. Não gostamos de sair de nossa zona de conforto. O Coringa de Leto vai ser a melhor interpretação do personagem? Não sei. Mas quero descobrir.

Uma versão, de forma alguma, acaba automaticamente com a outra. Battlestar Galactica, uma reimaginação da série da versões06década de setenta, por exemplo, é infinitamente superior à sua “mãe” e, se não fosse feita, teríamos ficado sem uma das melhores ficções científicas dos últimos tempos. Star Trek, de J.J. Abrams, é uma tentativa válida para gerar interesse em uma franquia que estava esquecida desde 2005, quando o último episódio da série Enterprise foi ao ar. E não é porque temos Chris Pine e Zachary Quinto que vamos esquecer de Bill Shatner e Leonard Nimoy. A primeira versão ainda existe, guardada com carinho na memória (e nos DVDs e Blu-rays) dos fãs. E ambas podem ser curtidas, sem problema.

Ou seja, não é uma “traição”. Na maioria das vezes, é um amor incondicional pelo personagem que gera diferentes versões. John Byrne amava o Superman da Era de Ouro quando iniciou sua (para muitos fãs antigos) iconoclasta passagem pelo personagem em 1986. Howard Chaykin adorava o Sombra, mas o desmontou em sua minissérie Blood and Judgement, colocando-o nos anos 80. Nem o Superman, nem o Sombra pararam de ter novas versões depois disso. Nem as outras, mais antigas, foram esquecidas. E nem serão.

Podemos gostar mais de uma ou outra versão, é claro. É natural. Mas, de novo, se você realmente gosta do personagem, vai ficar pelo menos curioso para ver o que está acontecendo com ele. E esses personagens não são seus. Eles pertencem a todos nós, em todas as suas versões.

BenBen Santana, nesta versão,  é alérgico a Perrier, luz do sol e responsabilidade. E é um cidadão da Legolandia, viajando incomunicado. Ele quer ter suas impressões gravadas para sempre no concreto em Sunset Boulevard e não dá a mínima para aficionados da Fleet Street

4 comentários sobre “AME-OS ou DEIXE-OS: fãs que não entendem as novas versões de seus HERÓIS

  1. Seu texto me fez lembrar da série Agentes da Shield, que muita gente parou de ver porque não era do jeito que ELES queriam que fosse – cheia de super-heróis voando pela tela. Como só viram mais uma série de espionagem, não presta. Nem deram uma chance. A série começou fraca, mas melhorou, encontrou seu caminho (ajudada pelos longas do cinema). Mas, pra muita gente, continua sendo ruim (o engraçado é que quem diz isso são aqueles que PARARAM de assistir. Ou seja: não sei mais do que se trata, mas é ruim!). Pobres mortais! Estão deixando de se divertir pra caramba!

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  2. Curioso o texto. É bem aquela coisa de zona de conforto. O fã não quer que mude algo que ele gosta do jeito que gostou. E a mente fechada de muitos criam essas inimizades com as novas versões…. e muitos deixam de se divertir a pacas. Tecnicamente é o que aconteceu com Saint Seiya (é eu sei, você fala de hqs e eu já venho com mangás), com relação ao último filme, A Lenda do Santuário, que trouxe novas roupagens para personagens já antigos. Uma parcela que assistiu na época da Manchete simplesmente odiou, enquanto outros, mais abertos (por já terem visto a série Ômega) até curtiram. Aliás, eu fui uma das que curtiu as mudanças…. mas fica difícil agradar gregos e troianos quando uns querem que seja sempre daquele jeito….

    Até mais

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