Enquanto isso… PHILIP K. DICK: Mais Estranho que a Ficção

Philip K

Viagens no tempo, contatos com alienígenas e outras experiências bizarras (e talvez reais!) na vida do criador de Blader Runner

Por Fábio Ochôa

Na ficção escrita por Philip K. Dick, nada é digno de confiança. Nem mesmo a realidade.

Principalmente a realidade.

Phillip-K-Dick (1)Na prosa do autor existem pessoas pagas para caçar androides, em tudo semelhantes ao homem, a ponto de o próprio caçador não saber ao certo se ele próprio não seria um androide também, como em Blade Runner; existem viagens simuladas para Marte, pacotes de férias que se passam apenas em sua cabeça (ou não), conforme mostra O Vingador do Futuro; vdentes que podem ler o futuro, em uma tela já escrita, como em Minority Report; e uma agência que manipula a realidade, como em Os Agentes do Destino. Isso para ficarmos apenas nos títulos popularizados pelo cinema.

Até aí, não haveria nada demais se tudo isso fosse apenas o trabalho de K. Dick e não a realidade que ele vivia a cada dia, em uma vida mais estranha que sua própria ficção.

A vida de PKD envolve o espectro da irmã morta, contato com entidades alienígenas, revelações (e abduções) religiosas, sonhos com Cristãos do século I, abuso de psicotrópicos, o limiar da pobreza e um diagnóstico de esquizofrenia.

Essas foram as ferramentas, junto com sua máquina de escrever, com a qual ele forjou sua literatura. E, talvez, o que explique sua pertinência.

Não por acaso, suas primeias tentativas literárias foram de cunho autobiográfico. Com a constante recusa dos originais, resolveu se aventurar na ficção científica, cambiando várias das suas ideias sobre a natureza da identidade, sistemas politicos e percepção de realidade para lá. A ficção popular era, para todos os efeitos, um gênero literário classe B, mas com algum retorno financeiro garantido, o que vinha bem a calhar. Afinal, sempre existiram contas para serem pagas.

Traumas de escritor

Em um certo sentido, os traumas que o acompanharam ao longo de toda a vida nasceram com ele. Phillip K. Dick teve blade-runneruma irmã gêmea. Em 1928, ela morreu de desnutrição semanas após o nascimento devido a uma rara alergia ao leite materno. A menina foi enterrada em uma sepultura dupla. Na lápide, o seu nome e o de K. Dick.

PKD sempre teve a sensação de ser assombrado pela irmã desde os primeiros anos de vida. Com o tempo, à medida que seu abuso de drogas prosseguia e suas doenças mentais se agravavam, sua obsessão pelo suposto espectro da irmã aumentariam. Ele tinha vergonha de ser visto se alimentando e o conceito do duplo, do gêmeo fantasma, seria uma constante em sua obra.

No plano mais, digamos, físico, as coisas também nunca foram fáceis. Seus textos eram carregados de implicações filosóficas profundas e amplas análises sociais, mas inseridos em um mercado não tão aberto a isso, ou a um público não tão acostumado com suas abordagens anômalas. Com isso, as dificuldades financeiras sempre foram uma constante. Ele conseguiu alguma notoriedade em vida com o livro O Homem do Castelo Alto, um clássico que trata de um mundo paralelo onde os nazistas ganharam a guerra. Se essa premissa não parece tão nova hoje em dia, ela era de uma ousadia estarrecedora em 1962.

Paralelo a isso, entre todas as paranoias alucinadas que ele alimentava, uma era verdadeira: o FBI realmente investigava sua vida e grampeava seu telefone, devido aos seus laços com o partido comunista no passado. Eu imagino que tipo de conversa eles devem ter escutado ao longo dos anos. Deve ter dado muitos relatórios interessantes.

Perto do fim dos anos 60 e começo de 70, ele começou a travar contato com os Valis: segundo K. Dick, mentes racionais trancendentais e entidades cósmicas que guiavam o destino da humanidade, tendo diversas visões trazidas por elas. Esses contatos tiveram um pesado impacto em sua escrita e PKD dedicou livros inteiros a essa experiência.

Androides Nazistas

Nesse período, ele descobriu em uma biblioteca pública o diário de um ex-oficial nazista. Um trecho ficou gravado em sua mente, o momento em que o oficial cita que os gritos das crianças eram uma constante, e que isso sequer o perturbava mais.

Heinlen

Robert Heinlein

Para K. Dick, um homem que perde essa capacidade empática pode parecer um homem, mas por dentro só pode ser algo semelhante a um androide. Daí veio a sua ideia dos replicantes, aplicada no romance Androides Sonham com Carneiros Elétricos?, depois adaptado para os cinemas com o nome de Blade Runner.

Nessa época ele também confessou ter sido contatado pelo profeta bíblico Elias e afirmou viver uma vida paralela, onde cada vez que dormia, acordava no século I, e era alguém conhecido como Thomas, um cristão perseguido pelos romanos. Quando novamente adormecia, acordava como Phillip K. Dick, em um ciclo continuo semelhante ao adágio do homem que sonhou ser uma borboleta. Ele não sabia qual dos dois era real e qual era sonho.

Contudo, a grande contribuição de K. Dick à ficção veio justamente de seus (vários) problemas. Enquanto uma boa parte dos livros populares privilegiava o heroi apolínio e militarizado à lá Robert Heinlein em um mundo ordenado, Phillip K. Dick subverteu tudo isso. Seus personagens não eram grandiosos, eram homens comuns que lidavam com a incerteza em todos os níveis imagináveis, lutavam contra estados monolíticos, contra a própria personalidade e até mesmo a própria realidade. Tudo isso em uma obra vasta, que compreende 44 romances e 112 contos já que a pobreza e a necessidade de pagar contas é um excelente combustível para a produtividade.

Sua literatura era cheia de rachaduras, que cresceram com o tempo e colocaram abaixo diversos edifícios na cultura popular do final do século 20 e sua influência pode ser sentida nos mais diversos meios, seja nos livros de Willian Gibson, em séries como Lost e, principalmente, no cinema, em filmes como Videodrome, Matrix e O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.

E isso, mesmo se Phillip K. Dick poderia discordar, é a mais pura realidade.

P.S. 1 – Apesar de ter um estilo literário totalmente oposto ao de K. Dick e de nunca ter sido exatamente um amigo, Robert

Heinlein o ajudou financeiramente nas mais diversas situações, tanto que no ultimo livro de PKD, a coletânea The Golden

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O Androide Philip, inspirado por K. Dick

Men (que daria origem ao terrível O Vidente, estrelando Nicolas Cage e a peruca mais bizarra de todos os tempos), o autor comentou que, embora ele e Heinlein discordassem em tudo, Heinlein nunca deixou de colocar as diferenças de lado e vir ao seu auxílio. Isso era a humanidade no que ela tinha de melhor, isso era quem e o que ele amava.

P.S. 2 – Em uma estranha inversão de papéis, em 2006 foi construído um androide chamado Phillip, modelado com o rosto do autor. A cabeça foi roubada e está desaparecida até hoje. Rick Deckard não foi encontrado para mais esclarecimentos.

P.S. 3 – Ano que vem, K. Dick volta aos cinemas, desta vez em animação da Disney, King of Elves. Essa parceria, nem mesmo em seus delírios mais loucos ele poderia prever.

OchôaFábio Ochôa trabalha como redator publicitário. Conquistou prêmios, foi citado na TV, foi diretor de criação, já saiu na Zupi, fez campanhas políticas e, mesmo assim, ainda consegue gostar das pessoas e achar este mundo um lugar legal. É um exemplo, esse rapaz. Trabalha também como ilustrador freelance e roteirista eventual. Para saber mais acesse:  www.behance.net/fabioochoa

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5 comentários sobre “Enquanto isso… PHILIP K. DICK: Mais Estranho que a Ficção

  1. Excelente texto. Parabéns. Outros filmes que acredito terem influências de PKD, além dos que você citou, seriam “Exterminador do Futuro 4 (Salvation)”, “O Show de Truman”, “Vannila Sky”, “Os Coletores (Repo Men)” e os animes “Ghost in the Shell” e “The Sky Crawlers”.

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